6 de set. de 2011

Fichamento 1:

Existe um pensamento político brasileiro?
Raymundo Faoro

Do pensamento político
  1. Se há um pensamento político brasileiro, há um quadro cultural autônomo, moldado sobre uma realidade social capaz de gerá-lo ou de com ele se soldar.

  2. O pensamento político não é conversível à filosofia política, à ciência política ou à ideologia. Ele se expressa em uma ou outra manifestação: como ideologia e como filosofia (ou ciência política), mas tem, entretanto, autonomia.

  3. O legado socrático traduz o encontro entre filosofia política e política, que forma a base do construtivismo que frequenta a política ocidental em muitos aspectos e direções. Trata-se, na realidade, de uma identificação que oculta o predomínio do logos sobre a práxis: um modelo referenciável no denunciado despotismo das influências das teorias sobre os fatos, na importação de valores e programas.

  4. Logos sobre a práxis: reduz o pensamento político à filosofia política e desfigura a política, convertendo a história na história das ideias. A política se desvincularia da realidade, perdida numa teia de doutrinas, em simplismo que o tornaria o desvario de cérebros ociosos. Tocqueville soube distinguir o pensamento político da filosofia política ao identificar o espetáculo ideológico ao distinguir o intelectual, com suas fórmulas, da ideia que ganha a sociedade:

    Acima da sociedade real, cuja constituição era ainda confusa e irregular, onde as leis permaneciam divergentes e contraditórias, as hierarquias estanques, fixas as condições e desiguais os encargos, construía-se, pouco a pouco, uma sociedade imaginária, na qual tudo parecia simples e coordenado, uniforme, equitativo e conforma à razão.

  5. O pensamento político atua, deformando-se, na ideologia. Ela, a ideologia, constitui o terreno “sobre o qual os homens se movimentam, lutam, adquirem consciência de sua posição” (GRAMSCI). No paradigma marxista, a consciência ideológica é uma “ilusória” e uma “falsa consciência” (LUCAKS). Os ideólogos dominantes lutam para que se oculte a essência da própria classe, ao mesmo tempo que nega a autonomia dos interesses das outras classes.

  6. A consciência ilusória “cobre a realidade e a revela, deformando-a” (BOBBIO): representa o papel de um programa de um movimento político. Trata-se de uma forma de pensamento político em batalha, uma ideologia em sentido débil, que exacerba o elemento da ação. A eficácia da ideia assume a importância maior, com desprezo da pauta da verdade.

  7. A ideologia é interessada na eficácia e reina no território da práxis. A filosofia política reduz o pensamento político ao logos, em proposições científicas: a realidade seria o espelho da teoria. Fora delas haveria apenas a política alheia à congruência – espécie de política irracional, – a política cujo segredo é não ter política. Ela, a política que não é filosofia, nem ciência, nem ideologia, que não se extrema na ação, nem se racionaliza na teoria, ocupa o espaço do que se chama o pensamento político: “A glória de mandar, amarga e bela”. Ele atua como saber informulado.

  8. O pensamento político atua na ação, numa práxis que se desenvolve no logos. Suas prescrições são normativas, pelo que atuam fora da lógica proposicional, e a sua função é a de direcionar a conduta humana em determinado sentido. Suas proposições assumem o significado dos sistemas nomoempíricos, tal como as normas do direito.

  9. O logos expressa-se em proposições enunciativas, escritos nos livros e nos discursos: é um saber formulado. A atividade política vem antes, precedendo as formas do logos. O pensamento político está dentro da experiência política, incorporado à ação, fixando-se em muitas abreviaturas, em corpos teóricos, em instituições e leis. O vínculo entre a práxis e o logos se dá pela sugerência, palavra que indica o modo como se expressa o quantum possível de saber formulado a partir da experiência.

  10. O pensamento político de cada um não se afirma na fórmula intelectual, mas na atividade real, implícita na ação: a verdadeira ação, a da sociedade e de cada um, contém-se na política (GRAMSCI). O saber informulado, que compõem o pensamento político, está na sugerência: é esta que o distingue da fantasia, do arbítrio imaginativo e da ideologia. A sugerência freia, de um lado, o desenvolvimento teórico, dando-lhe consistência prática, e, de outro lado, marca o limite da presença da sociedade.

  11. O pensamento político é uma atividade e “a atividade envolve uma discrepância entre o que é e o que desejamos que venha a ser”. Há, na atividade, e, depois, na prática, o trânsito entre formas e estruturas de existência: de um lado, no território do ser, de outro lado, no campo do valor. O que é virá a ser, mas de acordo com valores: o direito, a justiça, limitados o ser e o valor pela sugerência.

  12. O pensamento político, porque atividade, contém carga crítica. Como valor e como ser que virá-a-ser, corrosivo da ideologia e do imobilismo da filosofia política, acompanha e potencializa a dialética social, a qual se vincula por meio de manifestações múltiplas. Em certos momentos, o pensamento político se expressa melhor na novela do que no discurso político, mais na poesia do que no panfleto de circunstância.

    Em breve, a novela...

Nenhum comentário:

Postar um comentário